O sequestro da amígdala
Perdendo a cabeça
As emoções são mais velozes que o raciocínio. Dê um tempo antes de agir e evite arrependimentos.
por Eugênio Mussak
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Thomas Jefferson é freqüentemente citado como uma das figuras mais importantes da história americana. Autor da Declaração de Independência dos Estados Unidos e terceiro presidente americano, Jefferson era um grande negociador. Foi ele, por exemplo, que acertou com Napoleão Bonaparte a compra da área onde hoje fica o estado de Louisiana, que pertencia à França.
Thomas Jefferson é freqüentemente citado como uma das figuras mais importantes da história americana. Autor da Declaração de Independência dos Estados Unidos e terceiro presidente americano, Jefferson era um grande negociador. Foi ele, por exemplo, que acertou com Napoleão Bonaparte a compra da área onde hoje fica o estado de Louisiana, que pertencia à França.
A respeito de sua capacidade de lidar com pessoas
diferentes e situações adversas e chegar a bons acordos políticos,
Jefferson construiu uma frase que vale por um tratado de relações
humanas: "Se ficar zangado, conte até dez antes de dizer qualquer coisa.
Se não tiver se acalmado, conte até 100. Se não estiver calmo mesmo
depois disso, conte até mil".
A simplicidade desse conselho é meio
desconcertante, porque é desproporcional à verdade que ele contém. Muito
já se falou sobre a dificuldade que as pessoas têm em manter a
serenidade durante uma discussão ou um momento mais acalorado. E muitos
estragos foram feitos por causa dessa dificuldade. Catástrofes no
capítulo das relações humanas poderiam ter sido evitadas se as pessoas
usassem a prerrogativa do tempo entre o estímulo e a reação.
O chefe grita e briga com um subordinado ao
perceber um erro que este cometeu. O funcionário pede demissão no meio
de uma tarefa por se sentir ofendido pelas palavras mais duras do chefe.
A mulher explode com o marido que chegou tarde em casa antes de
perguntar o motivo do atraso. O marido agride a mulher por não tolerar
suas acusações e seu jeito de falar, sem se dar conta de que ela está
naquele período fisiológico que antecede a menstruação, em que os
hormônios alteram suas emoções.
Quem nunca foi sujeito ou objeto de uma situação
assim? Pense sobre você mesmo e lembre quantas coisas você disse e se
arrependeu amargamente depois, mas aí era tarde demais. Ou quantas vezes
foi atingido por palavras duras de alguém antes tão doce e gentil.
Todas essas pessoas são protagonistas de
histórias que poderiam ter tido um final mais feliz se elas apenas
tivessem dado um tempo maior entre o impacto do descontentamento causado
pelas palavras ou pelo comportamento de seu interlocutor e sua própria
resposta ou reação. Ou seja, se tivessem dado um tempo e contado pelo
menos até dez.
Perdendo a cabeça
Seqüestrar pode significar retirar alguém de sua condição de liberdade e colocá-lo sob o controle de outro. O seqüestro ocorre à revelia do seqüestrado e este pouco pode fazer para evitar o acontecido, já que é sempre tomado de surpresa e não dispõe de tempo para se defender.
Pois bem, o cérebro humano com freqüência é palco de um tipo de seqüestro, que é a palavra médica utilizada para designar aquele momento crítico em que a razão é superada por forte emoção em uma situação difícil. Quando a razão recupera o controle, instantes depois, o estrago pode ter sido feito.
Seqüestrar pode significar retirar alguém de sua condição de liberdade e colocá-lo sob o controle de outro. O seqüestro ocorre à revelia do seqüestrado e este pouco pode fazer para evitar o acontecido, já que é sempre tomado de surpresa e não dispõe de tempo para se defender.
Pois bem, o cérebro humano com freqüência é palco de um tipo de seqüestro, que é a palavra médica utilizada para designar aquele momento crítico em que a razão é superada por forte emoção em uma situação difícil. Quando a razão recupera o controle, instantes depois, o estrago pode ter sido feito.
A parte do cérebro humano responsável pela lógica
e que normalmente controla as decisões e atitudes das pessoas chama-se
neocórtex. Trata-se daquela parte superficial, enrugada e cinzenta que
forma a porção visível do cérebro quando se olha para sua figura
inteira. O nome neocórtex significa algo como "casca nova". É a parte
superficial do cérebro, que surgiu por último durante o processo de
evolução. Só os seres humanos possuem neocórtex.
Mas é claro que o cérebro não surgiu com nossa
espécie. Muito antes de o neocórtex surgir e nos diferenciar das outras
formas de vida como um "ser pensante", já havia espécies com cérebro.
Mais simples, sem dúvida, mas ainda assim um cérebro. O curioso é que,
embora nossa massa encefálica tenha se aperfeiçoado ao longo dos
milênios, as estruturas básicas, que formavam os cérebros mais
primitivos, se mantiveram. Ou seja, nosso cérebro humano contém um
cérebro de réptil. A estrutura mais primitiva é o tronco cerebral,
responsável pelos instintos mais básicos. Depois disso, surgiu o sistema
límbico, que é onde se processam as emoções. E foi dele que evoluiu o
cérebro pensante - o neocórtex.
Lá no sistema límbico existe um componente
chamado amígdala - que não tem nenhuma relação com as da garganta.
Apenas o nome é o mesmo, só porque ambas lembram "amêndoas" em sua
forma. A função da amígdala cerebral é funcionar como uma espécie de
alarme que desencadeia reações de proteção em caso de alguma emergência.
Ao perceber algum perigo, logo imagina o pior e trata de desencadear
uma reação, que sempre será de fuga ou de agressão, porque essa é a
maneira animal de manter a vida.
O curioso é que a amígdala recebe a informação do
perigo antes do neocórtex. Por isso, a reação começa antes mesmo que a
pessoa tome consciência do perigo. Muitas vezes nem há risco de verdade,
mas até o raciocínio perceber isso o alerta já está dado. Parece
incoerente, mas esse mecanismo garante uma percepção rápida do perigo. A
natureza prefere errar por excesso de zelo.
Quando a amígdala toma conta da situação e
provoca reações às vezes desproporcionais ao fato, dizemos que aconteceu
o "seqüestro" da razão. O neocórtex foi superado e controlado pela
amígdala por alguns instantes. Muitas vezes isso é bom, porque aumenta a
velocidade da resposta diante de um perigo. É o que faz uma pessoa
saltar ao perceber um carro aproximando-se em alta velocidade. A
percepção da tragédia não é cortical, racional. É amigdaliana,
instintiva.
O problema é que a amígdala interfere também
quando há outro tipo de perigo, não físico, mas emocional. Durante uma
divergência de opinião, por exemplo, você pode perceber, repentinamente,
uma espécie de perigo causado pelo rumo da discussão. Isso se dá de
modo inconsciente e você não nota que está sendo tomado pelo sentimento
de preservação de sua vida, ainda que seja a vida emocional. Sente
apenas uma sensação de desconforto e medo, seguido da necessidade de
agredir. De repente, pode acontecer o seqüestro da razão e você terá,
com certeza, uma reação violenta, por palavras ou atos, desproporcional
ao fato que a causou. Faltou contar até dez.
Inteligência emocional
Se o seqüestro da razão ocorre de maneira espontânea, comandada apenas por nossa biologia, podemos fazer algo para controlar esse fenômeno? Tudo indica que sim, que podemos aumentar o controle da lógica sobre a resposta emocional. Aumentar esse controle significa, na prática, aumentar a inteligência, aquela que é chamada de inteligência emocional.
Inteligência é um atributo que nos permite resolver equações matemáticas, escrever poemas, projetar edifícios, compor músicas e até dançar e praticar esportes. Em verdade, são várias as nossas inteligências, e duas coisas sabemos a respeito delas: que são definidas geneticamente e que podem ser aumentadas e aperfeiçoadas por meio do uso.
Se o seqüestro da razão ocorre de maneira espontânea, comandada apenas por nossa biologia, podemos fazer algo para controlar esse fenômeno? Tudo indica que sim, que podemos aumentar o controle da lógica sobre a resposta emocional. Aumentar esse controle significa, na prática, aumentar a inteligência, aquela que é chamada de inteligência emocional.
Inteligência é um atributo que nos permite resolver equações matemáticas, escrever poemas, projetar edifícios, compor músicas e até dançar e praticar esportes. Em verdade, são várias as nossas inteligências, e duas coisas sabemos a respeito delas: que são definidas geneticamente e que podem ser aumentadas e aperfeiçoadas por meio do uso.
Em outras palavras, as pessoas nascem com uma
tendência natural, podendo ter mais facilidade para fazer contas do que
para escrever poemas, por exemplo. Mas qualquer função da inteligência
pode ser aumentada pelo uso, do estímulo repetitivo. Você, por exemplo,
pode aprender a tocar violão. Isso significa um aumento em sua
inteligência musical, mesmo que nunca chegue a ser um Andrés Segóvia.
Atualmente, duas outras inteligências estão em
alta: a interpessoal e a intrapessoal. A interpessoal é aquela que nos
permite estabelecer relações adequadas com as pessoas. A intrapessoal
faz com que você conviva bem consigo mesmo. A inteligência interpessoal
tem pelo menos quatro características: capacidade para compreender as
pessoas, facilidade para fazer e conservar amizades, habilidade para
resolver conflitos e aptidão para exercer liderança. A intrapessoal
constrói uma auto-apreciação saudável, com influência sobre o
amor-próprio. É aqui que a ciência começa a sentir falta de algo para
explicar o funcionamento do homem.
A teoria das inteligências ganhou espaço na
psicologia após a década de 70. Até então, as atenções estavam voltadas
para o que podia ser observado por fora, ou seja, o comportamento. Foi
então que surgiu a ciência cognitiva (ciência do pensamento), que
interpreta o comportamento "de dentro para fora". Estava estabelecida a
dobradinha pensamento-comportamento. Mas faltava um parceiro nesse time:
as emoções, que só entraram na discussão na última década.
De qualquer maneira, é cada dia mais forte a percepção de que "inteligência" não é um conceito fechado e que continuamos aprendendo sobre ela por meio de seu uso. Uma das definições mais recentes diz que "inteligência é a capacidade de utilizar os recursos mentais em favor da construção de um ambiente favorável", o que implica o controle das emoções, do pensamento e do comportamento, nessa ordem.
De qualquer maneira, é cada dia mais forte a percepção de que "inteligência" não é um conceito fechado e que continuamos aprendendo sobre ela por meio de seu uso. Uma das definições mais recentes diz que "inteligência é a capacidade de utilizar os recursos mentais em favor da construção de um ambiente favorável", o que implica o controle das emoções, do pensamento e do comportamento, nessa ordem.
As palavras que utilizamos são paridas pela
razão, mas fecundadas pela emoção, porque no fundo o homem está sempre
obedecendo à sua ambição biológica de buscar o prazer e de evitar o
sofrimento. E essas necessidades são vassalas no reino onde os monarcas
são as emoções. Sim, a comunicação humana é um fenômeno primordialmente
emocional. A palavra pode ser racional, mas o tom da voz é emoção pura e
é ela que comunica de verdade.
Quando alguém diz "conte até dez" está na verdade
utilizando uma metáfora. O que realmente está querendo dizer é "pense
antes de responder" ou "não deixe a amígdala responder por você, porque
ela não conhece todo o quadro, só a pincelada do perigo e do ódio".
No mundo animal, a vítima é o bicho lento que não
controla os movimentos. No mundo humano, a vítima é a pessoa rápida que
não controla as palavras. O filósofo alemão Immanuel Kant uma vez disse
que a paciência pode ser a fortaleza para os fracos, assim como a
impaciência pode se transformar na fraqueza dos fortes.
Situações não controladas, palavras malpostas e
respostas impensadas resultam em perigosas conseqüências, seja pelo
desconforto que produzem, seja pelo legado que deixam, já que, uma vez
proferidas, as palavras não voltam. Da mesma forma como a flecha que sai
do arco, que não mais pode ser detida.
Conta uma fábula que o pai de um jovem de
temperamento difícil lhe deu um saco de pregos, um martelo e uma ordem:
cada vez que perdesse a paciência deveria pregar um prego na cerca dos
fundos da casa.
No primeiro dia, foram 37, mas, com o tempo, o
número foi diminuindo, porque o rapaz foi percebendo que era melhor
controlar os impulsos do que pregar pregos. Até que chegou o dia em que,
orgulhoso, disse ao pai que não precisava mais pregar, porque tinha
aprendido a se controlar.
O pai então lhe disse para retirar um prego a
cada dia que se mantivesse calmo e controlado. Após um tempo, o jovem
contou ao pai sua grande vitória: não havia mais pregos na cerca. O pai
sorriu e levou o filho aos fundos da casa. Observaram juntos a cerca e o
pai perguntou: "E agora, o que você vai fazer para apagar as marcas
deixadas pelos pregos?"
Palavras sempre deixam marcas, e às vezes não nos orgulhamos delas. Sempre é melhor contar até dez.
Eugênio Mussak é biólogo e educador,
consultor na área de desenvolvimento humano, autor e conferencista. Suas
idéias objetivas podem ser encontradas em www.eugeniomussak.com.br
abril de 2004
Revista Vida Simples
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